Quando se planeia FIRE aos 55, há sempre aquela dúvida: “E a reforma, como fica?”
Já me perguntaram várias vezes como é que se deve incorporar a reforma nos cálculos FIRE, especialmente depois de descobrirem que podem fazer contribuições voluntárias para a Segurança Social quando deixarem de trabalhar.
É uma dúvida super comum. Quase todos os que estão a caminho do FIRE tropeçam nisto: quando descobrem que existe a opção de continuar a descontar, mesmo sem emprego, e pensam logo que pode ser uma forma de garantir uma reforma maior mais tarde. À primeira vista parece uma decisão inteligente. Afinal, estamos habituados a ver a Segurança Social como um “investimento seguro” que depois se transforma numa pensão vitalícia.
Numa dessas conversas, alguém disse que queria atingir o FIRE aos 55. Peguei nesse exemplo concreto para escrever este post, porque ajuda a perceber melhor o impacto que estas contribuições teriam para quem quer parar de trablahar antes da idade da reforma.
Mas quando se começa a olhar para os números e para o impacto que isso tem no plano FIRE, a história já não é tão bonita…
O que realmente queremos saber é:
Quanto vou receber de reforma se parar de trabalhar aos 55 anos?
Vale a pena pagar contribuições voluntárias até aos 67?
Quanto custa? E compensa?
Vamos a um exemplo concreto para perceber isto de uma vez por todas. (Apliquei um valor de 2000€ de média de ordenado para facilitar as contas, mas podes adaptar às tuas condições.)
Começaste a trabalhar aos 26 anos e trabalhaste até aos 55 anos. Sempre recebeste 2.000€/mês. Contribuíste para a Segurança Social durante 30 anos. Idade da reforma: 67 anos (12 anos sem contribuições obrigatórias).
Como se calcula a reforma
Estas contas não são nada simples. Descobri que existem muitas variáveis e detalhes técnicos que dificultam bastante chegar a valores realistas. Aqui está a fórmula aplicada ao caso:
Remuneração Total (RT) = 2000€ × 14 × 30 = 840.000€ Remuneração de Referência (RR) = RT / (30 × 14) = 2000€
Reforma mensal = (1,1 × IAS × 2,3% × 30) + (0,9 × IAS × 2,25% × 30) + [(RR – 2 × IAS) × 2,2% × 30] IAS 2025 = 522,50€
Substituindo: = (13,22€ × 30) + (10,58€ × 30) + (20,90€ × 30) = 396,60€ + 317,40€ + 627,00€ = 1341€/mês
Em Portugal, os reformados recebem ainda 2 pagamentos extra (subsídios de férias e Natal)
Reforma anual = 1341€ × 14 = 18.774€/ano
Resultados por Cenário
Trabalhar dos 26 aos 55 (30 anos de contribuições)
Reforma: 1341€/mês × 14 = 18.774€/ano
Trabalhar dos 26 aos 67 (40 anos de contribuições)
Reforma: 1788€/mês × 14 = 25.032€/ano
Trabalhar dos 26 aos 55 e pagar contribuições voluntárias mais altas (562€/mês durante 10 anos, simulando 2090€ de ordenado)
Reforma: 1788€/mês × 14 = 25.032€/ano
Total pago: 67.465€
Recuperação: 11,98 anos
Trabalhar dos 26 aos 55 e pagar contribuições voluntárias mínimas (140€/mês durante 10 anos, simulando 522€ de ordenado)
Reforma: 1450€/mês × 14 = 20.300€/ano
Total pago: 16.866€
Recuperação: 11,3 anos
Porque é que pode não valer a pena?
Há dois problemas com esta estratégia de pagar contribuições voluntárias:
Para teres dinheiro para pagar à Segurança Social, precisas do teu valor FIRE mais o equivalente às contribuições (140€ a 562€/mês). Isso atrasa o plano todo, porque para garantir esse valor com a regra dos 4% precisavas de dezenas de milhares de euros a mais investidos só para cobrir as contribuições.
Depois de chegares ao FIRE, já não tinhas de pagar esses valores e ainda recebias mais de pensão. Isso complica bastante a tua gestão de levantamentos. Ias estar a retirar montantes elevados durante 10 a 12 anos, e se estivéssemos num bear market prolongado, podias ficar sem dinheiro (sequence of returns risk).
O que isto significa?
Pagar o mínimo até parecia melhor, mas a diferença de recuperação face ao valor mais alto é pequena (cerca de meio ano).
Mesmo assim, se investires os mesmos 140€/mês a 7% durante 10 anos, no final terias 24.327€. Para recuperar isso via aumento da pensão seriam precisos mais de 12 anos.
Ou seja, mesmo os valores mais baixos de contribuição podem não compensar financeiramente quando comparados com investir.
Notas importantes
Estes cálculos são estimativas, não garantias.
Assumem inscrição na Segurança Social depois de 1 de Janeiro de 2002.
Os níveis de contribuição voluntária têm de ser múltiplos do IAS.
Os valores são calculados com base em 14 pagamentos anuais.
Não incluem mínimos de pensão, penalizações por antecipação ou fatores de sustentabilidade que podem ser aplicados.
E claro, as regras podem mudar no futuro.
Fontes:
GUIA PRÁTICO PENSÃO DE VELHICE – Segurança Social
GUIA PRÁTICO PAGAMENTO DE CONTRIBUIÇÕES À SEGURANÇA SOCIAL – Segurança Social
(Os links acima mudam frequentemente de endereço, se não funcionarem, pesquisa pelo nome exacto que meti acima)
Conclusão
A única razão para considerar contribuições voluntárias é garantir uma pensão mais alta e previsível. Se os números fizerem sentido e esse rendimento fixo for importante para ti, pode valer a pena. Mas se já tens FIRE como objetivo, manteres o capital investido e a flexibilidade pode ser uma estratégia mais vantajosa.
Para facilitar, criei o simulador abaixo onde podes meter os teus próprios dados e fazer as contas de forma personalizada.
FIRE não é contar com a Segurança Social, é garantir que nunca vais depender dela.
Calculadora de Reforma (para FIRE)
Esta calculadora serve para calcular quanto vais receber de reforma quando deixas de trabalhar antes da idade da reforma (mas esperas até à idade da reforma para receber).
Serve também para calcular quanto vais receber de reforma fazendo pagamentos voluntários à Segurança Social entre quando deixas de trabalhar e a idade da reforma.
Insere os anos que trabalhaste e o salário médio mensal de todos esses anos para obter uma estimativa da tua Reforma.
Anos trabalhados x Salário médio mensal x 14
Secção de contribuição voluntária para a Segurança Social - Insere adicionalmente aos dados acima os anos e o salário de referência para as tuas contribuições
Notas importantes:
- Estes cálculos são uma estimativa (uma boa estimativa, mas não são 100% corretos).
- Para ter direito à pensão de velhice contributiva, é exigido pelo Estado um prazo mínimo de 15 anos de descontos à Segurança Social.
- Mesmo que o cálculo teórico resulte num valor muito baixo, há pensões mínimas garantidas, de acordo com os anos de carreira contributiva, por exemplo:
~ €319,49 para menos de 15 anos
~ €335,15 entre 15-20 anos
~ €369,83 entre 21-30 anos
~ €462,28 para 31+ anos
(valores de referência de 2024) - Para quem não atinge os 15 anos de descontos ou não cumpre os requisitos contributivos, existe a pensão social de velhice; em 2025 o valor base mensal é ~ €255,25, mais o Complemento Extraordinário de Solidariedade (CES) (ex: 22,21 € para menos de 70 anos, 44,43 € para 70+) automaticamente.
- Assume que esperas até à idade legal para pedir a reforma.
- Este cálculo não inclui fatores potenciais como o fator de sustentabilidade (geralmente não aplicável para reforma normal após uma longa carreira), valores mínimos de Reforma, ou regimes específicos para reforma antecipada.
- Assume que te registaste na Segurança Social em ou após 1 de janeiro de 2002. (Que deve ser a maior parte dos descontos que fizeste. Para calcular descontos antes de 2002 tem de ser feito um cálculo separadamente extremamente difícil de incorporar nestas contas. Mas não deve alterar muito os resultados).
- Se quiseres fazer contribuições voluntárias para a Segurança Social tens de escolher um nível. O nível tem de ser múltiplo do Índice de Apoios Sociais (IAS) e reflete o ordenado que queres simular estar a receber. O valor a pagar todos os meses é 26,9% do nível que escolhes.
- O cálculo utiliza o Índice de Apoios Sociais (IAS) para 2025 (€522,50). Este valor pode mudar anualmente.
- O total de rendimentos do emprego é calculado considerando 14 pagamentos mensais por ano, como é comum em Portugal.